Este é um artigo na linha “GC pragmática”, então me arriscarei mais escrevendo um texto mais extremado.
Sei que posso contar com a compreensão dos amigos, que já conhecem um pouco meu estilo quando filosofo sobre a gestão do conhecimento, mas peço também sua paciência e persistência caso seja um visitante eventual deste blog.
O dilema da necessidade da GC
Tenho insistido que gerenciar o conhecimento que sua empresa possui é saudável para a sobrevivência no longo prazo, mas tenho percebido uma sensibilidade muito baixa das organizações a essa visão. Poucos executivos sentem que estão conduzindo a empresa ao despenhadeiro por não fazerem gestão do conhecimento. E como os resultados são de médio e longo prazo, não há pressão da urgência para sua implementação como forma de se resolver problemas de curto prazo. (Posso sugerir que se você está com problemas de curto prazo, é porque o momento de implementar a gestão do conhecimento não foi percebido em tempo.)
Será que a promessa da GC é mais atraente quando as coisas estão indo mal e não quando estão indo bem?
É fato que é difícil vender a necessidade de se manter processos de gestão do conhecimento. Tenho conversado com muitos colegas nos últimos meses e percebo que tem sido comum a afirmação de que a aposta em GC é muito mais fácil quando a alta direção acredita na importância do conhecimento. A ênfase na crença – ou no crédito, se preferir – dispensa a cobrança habitual de demonstração objetivo de resultados através de ROI (retorno sobre investimento) que acompanha a maior parte dos projetos corporativos. E, como tenho comentado com vários interlocutores, o difícil para a GC não é produzir resultados positivos para a organização, mas sim comprovar a correlação direta com esses resultados.
Não deveria ser assim. Deveríamos cuidar das coisas importantes quando elas estão aí, quando tudo está correndo bem. (Isto soa como uma conversa de velório.)
Quando as coisas estão indo bem, pode ser porque alguém está fazendo GC sem saber ou porque a operação está funcionando bem no improviso. Nos dois casos, tudo parece estar indo bem para os negócios sem que alguém esteja fazendo qualquer coisa a título de gestão de conhecimento.
Mas em tempos de dificuldade os problemas em geral são muito mais concretos e prementes, conquistando a atenção dos dirigentes a qualquer proposta que ataque de forma coerente a causa de problemas percebidos: a qualidade do seu produto que não é mais a mesma, os custos elevados quando comparados com a concorrência, a falta de renovação do portfolio de ofertas, a perda de market share, a insatisfação dos colaboradores, o prejuízo.
Esse pode ser um bom momento para falar de GC. (Apesar de eu sempre dizer que a GC não está no topo da hierarquia de necessidades de Maslow – mas este é um post experimental, como avisei no início.)
A GC como sugestão para situações de crise
GC não é uma panacéia, então não deve prometer que vai resolver qualquer tipo de problema.
Devo presumir que sua empresa tem um portifólio de produtos vendável e que o motivo de sua preocupação é o fato de todo mundo estar ganhando dinheiro exceto vocês. Se sua empresa não souber se o mercado realmente existe e é rentável ou não souber qual é a sua proposta de valor para seus clientes, faça primeiro sua lição de casa (um planejamento estratégico caprichado) e então volte a esta nossa conversa (ela continuará útil para você).
Na sua crise (sua porque o mercado em si em que você atua não está em crise) você deve se perguntar se sua empresa sabe fazer o que uma empresa com seu portifólio de produtos deveria saber fazer. Ou seja: sua empresa é capaz de cumprir as promessas que fez aos seus clientes ao definir seu portifólio e oferecê-lo ao mercado?
Feitas essas ressalvas iniciais, poderíamos sugerir as seguintes ações:
- Busque referências de mercado: modelos (quando existirem, como o PMBOK do PMI para gerenciamento de projetos) ou empresas admiráveis para utilizar como benchmark.
- Questione-se: que processos uma boa empresa com sua oferta deve possuir? Quais são críticas (afetando diretamente a qualidade do resultado) e quais são de apoio?
- Pergunte-se também: que estrutura física, estrutura tecnológica e competências individuais e fornecedores esses processos exigem?
- Mais: além de fornecedores, que relacionamentos (com os clientes, com parceiros, com entidades governamentais, com ONGs) a sua empresa deveria ter?
Você vai descobrir coisas que deveria saber fazer melhor e coisas que não lhe servem para muita coisa.
Vai descobrir que em alguns casos é tarde demais – sua empresa perdeu algum conhecimento importante sobre como produzir ou seu produto ou atender o seu cliente. Nem tudo estará perdido, mas será necessário um esforço para recuperar o que se foi.
Após essa análise:
- Tome medidas para preservar as coisas que se tornaram desnecessárias para momentos futuros (ou seja, arquive-as em lugar de jogá-las fora) e providencie a aquisição das coisas que não sabe fazer.
(Há múltiplas formas de ser arquivar e de se adquirir coisas. Deixo isso para outro momento, para um post mais convencional sobre gestão do conhecimento.)
Qual seria o resultado?
Para o negócio esperaríamos, é claro, a solução para os problemas apresentados. Algumas quick wins, e muitas ações de médio prazo.
O resultado, para o universo da GC, seria a promoção da Gestão do Conhecimento como um projeto, não como uma função organizacional. Ou como uma sequência de projetos anuais, como parte do planejamento estratégico, caso você tenha gostado da experiência e dos resultados.
Bem – que mal há? (O risco da descontinuidade, minha voz interior diz. Mas foi uma pergunta retórica e dispensava resposta de mim mesmo.)
Um abraço a todos. Comentários, como sempre, serão muito bem-vindos.