Padrões são a salvação ou a perdição ?

Este post é a reprodução de um post homônimo que fiz já há algum tempo em um blog interno na Promon e que causou cerca discussão.

Lembrei-me do mesmo ao ler o post “Você precisa ter um modelo para poder aperfeiçoar seu modelo” no blog de Fernando Goldman.

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Normalmente não escrevo posts fazendo transcrição exata de textos. Em seu lugar, prefiro redigir os comentários e disponibilizar um link para o conteúdo original.

Farei uma exceção neste caso, para compartilhar um texto provocativo que recebi de um grupo de amigos com interesses em comum, a respeito dos perigos da adoção desmedida de padrões.

(O texto não enumera extensamente os benefícios da adoção desses padrões – mesmo porque há um grande número de artigos disponíveis na internet para fazê-lo.)

O texto (com a menção ao seu autor, ao final) segue logo abaixo. Resistam ao excesso de acidez nos comentários iniciais para chegar até a segunda metade do texto, em que os padrões são abordados 🙂 .

A BÚSSOLA QUE VIROU MAPA.

Tá difícil achar gente que pensa. A inteligência é matéria prima raríssima.
E começa a morrer o principal atributo dos brasileiros: a imaginação. A imaginação, a criatividade, precisam de um repertório mínimo. Exigem PENSAR.
E as pessoas não são ensinadas nem motivadas a pensar. Pensar dói.
Resultado?

São cada vez mais raras as pessoas para as quais pensar é uma necessidade, um prazer. Pegue, por exemplo, um empreendimento que começou com 20 pessoas 20 anos atrás e que hoje tem 500, 1000, 5000. Um volume de gente assim, é impossível de ser administrado. Surgem então os chefes. A maioria, gente que não sabe pensar. Minimamente preparada pelas escolas e depois pelos programas de treinamento das empresas, sempre focados em melhorar a eficiência operacional. Raramente preocupados em motivar o pensar. O poder é distribuído… e as decisões passam a ser tomadas por dezenas, centenas, milhares de pessoas sem preparo. E esse fenômeno, em intensidades diferentes – conforme a infra estrutura educacional de cada país – é mundial.

Um dia, alguém descobre que a única forma de colocar esse exército de ignorantes na linha, é dar-lhes um roteiro. Faça isso e aquilo. Depois aquilo e isso. E começam a surgir os programas de qualidade. A ISO 9000 é a primeira que surge em grande escala. Colocada como exigência pelas grandes empresas para seus fornecedores, a ISO torna-se febre mundial e, num primeiro momento, realmente ajuda a colocar os processos das empresas em outro patamar, com um ganho de qualidade importante. E não é preciso muito tempo para que surjam outros programas, como QS, TPM, Seis Sigma, Semi-autonomia, PNQ… cada um mais exigente que o anterior. E é aí que mora o perigo. Aquele exército ignorante recebe a incumbência de gerenciar esses programas. E primeiro, surge a necessidade de montar estruturas para gerenciá-los. Custo. Depois vem um aumento agressivo da burocracia. Tempo e custo. E junto com isso, a tendência à colocar a certificação como um fim.
Um concurso. Vamos fazer uma mobilização de 60 dias. A gente ganha o certificado e depois volta ao normal…

E o pior: esses programas passam a ser interpretados como MAPAS e não BÚSSOLAS. A bússola indica o norte. Aponta a direção. E as pessoas podem criar seus próprios caminhos, longos ou curtos, tortuosos ou retos. Cada uma desenhando-o conforme sua necessidade. Mas para isso, as pessoas tem que pensar. Mas pensar, dói. E quando a gente não pensa…não pode usar bússolas. Tem que usar mapas.

Fórmulas prontas. Que digam exatamente o quê e como fazer. E todos aqueles programas ambiciosos são transformados em gigantescos check lists que, se seguidos à risca, garantem consistência de resultados. Qualquer medíocre tem então um roteiro a seguir. E se todos os medíocres seguirem o roteiro, a empresa anda nos trilhos. Fica, digamos, na média…

Acontece que neste nosso mundo, o valor está justamente nas pessoas que encontram caminhos diferentes, que fogem do roteiro, que improvisam, que criam… Pessoas que dificilmente convivem com mapas acabados. Pessoas que dificilmente surgem em ambientes burocratizados, amarrados, controlados.
Essas pessoas lidam com valores intangíveis. Entendem que o diferencial está nos atributos que envolvem as sensações, as percepções, o relacionamento.

Sabem que não será a qualidade do produto ou a eficiência dos processos que garantirá o sucesso. Será a inteligência, a ATITUDE das pessoas. Mas inteligência exige pensar. E como anda difícil encontrar gente que pensa…

Texto de Luciano Pires, autor de “BRASILEIROS POCOTÓ”

Eu acho que mapas são bons. Mapas garantem que pessoas que não conhecem o bairro consigam chegar ao seu destino. Mapas permitirão que em breve os carros circulem sozinhos pelas ruas, em piloto automático, como muitos já devem ter visto em um experimento da BMW (ou da Mercedes-Benz, não me recordo ao certo) em auto-estradas européias.

Os padrões representam as melhores práticas de um grande conjunto de pessoas, e por esse motivo vejo grande valor nos mesmos.

E uma vez que um padrão é adotado, ele se torna pré-requisito naquele mercado – não mais um diferencial. Assim, a adoção de padrões é inevitável. E pelo argumento anterior, é até mesmo desejável.

Não saber usar um mapa se torna uma desvantagem competitiva. Não possuir o mapa se torna inaceitável. Mas saber ler o mapa e entender sua mecânica e suas limitações – como diz o último parágrafo – passa a ser o diferencial competitivo.

Isso tudo soa óbvio 🙂 Mas sabemos como é difícil diferenciar o que é aproveitável e o que não é quando adotamos o PMBOK, o ITIL, o CMMI e o outros padrões de referência. Isso, sim, exige inteligência – e produz o tal diferencial competitivo.

Um pensamento sobre “Padrões são a salvação ou a perdição ?

  1. Prezado Marcelo

    Tudo que foi em sua postagem “Padrões são a salvação ou a perdição ?” , tanto por você quanto no texto citado, é irrepreensível.

    Vale talvez enriquecer a discussão, chamando atenção de que os comentários lá feitos nos remetem à idéia fundamental para a compreensão da diferença entre Informação e Conhecimento, de que o Conhecimento é contextual.

    O conhecimento não é meramente um tipo de informação como muitos erram ao pensar. A Informação pode se tornar Conhecimento, quando processada por um agente humano capacitado para tal. Capacitado aqui é diretamente referente a modelos mentais e não simplesmente treinamento e desenvolvimento.

    Alguns tipos de conhecimentos podem ser explicitados de forma a se tornarem informação para outros agentes.

    Mas nunca devemos confundi-los, sob pena de perder o esforço humano despendido na formação de um conhecimento.

    Um bom exemplo é a opção de você chegar ao aeroporto de uma cidade que você não conhece e optar por alugar um carro com GPS ou pegar um táxi.

    Talvez alugar um carro saia mais barato e lhe dê mais emoção, mas pode lhe dar a emoção de seguir as instruções do GPS e cair no maior engarrafamento da cidade ou mesmo em uma favela perigosa. Isto porque, por mais sofisticadas que sejam as informações do GPS, elas nunca terão o grau de contextualização que o motorista de táxi local tem.

    Aqui vai mais uma prova de que a discussão de abandonar a Gestão do Conhecimento Organizacional em favor de uma Gestão da Informação, Gestão da Mudança, ou seja, de qualquer outra ferramenta já existente que se deseje, demonstra tão somente estar se ignorando que Informação e Conhecimento, embora intimamente ligados, não são de forma alguma simples entidades automaticamente resultantes uma da outra e que o Conhecimento Organizacional é tão mais efetivo – eficiente – eficaz, quanto mais intangível e repleto de tacitude, exigindo dessa forma muito, mas muito cuidado mesmo na sua gestão.

    Forte abraço

    Fernando Goldman

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